O marido tem um mercado na entrada, e a esposa, um escritório de design em cima. Quando não estão na escola, os filhos ficam entre um andar e outro – comem na cozinha lá atrás, no térreo, estudam no quarto de brinquedos, acima, e andam de bicicleta ao redor da construção de 150 m². “Precisávamos de um lugar multiúso e todo conectado para não perder de vista as crianças enquanto trabalhamos”, diz a proprietária. Assim, os ambientes são abertos, mesmo que mantenham alguma privacidade. “Aproveitei o desnível do terreno para criar patamares: são integrados visualmente, mas, ao mesmo tempo, deixam claro o limite para os clientes”, explica o arquiteto Thiago Passos, autor da obra. No final do dia, a família volta junta para casa, na mesma rua.
Fonte: Casa.abril
De todas as características encontradas na boa arquitetura, aquelas que mais admiro são o rigor, a universalidade e a economia de meios. O rigor na obra representa a preocupação com aquilo que é estritamente necessário para sua correta construção, enquanto que a universalidade representa o seu caráter atemporal, ou seja, a desvinculação de qualquer moda ou tendência.
Mas para mim, a característica que mais representa a boa arquitetura é sua economia de meios. Infelizmente, para muitos arquitetos a palavra “economia” assusta na medida em que muitas vezes é traduzida como “falta de condições financeiras” para executar determinado projeto, ou pior, falta de criatividade do profissional. Nada mais longe da realidade. A verdadeira economia de meios na arquitetura representa que a construção de qualquer artefato será produzida a partir da inteligente reunião de um número reduzido de materiais, sendo que esta associação deverá ser conduzida através de um lógico processo de composição.
A economia de meios luta contra o excesso que caracteriza grande parte da arquitetura da atualidade, que muitas vezes é composta por uma quantidade absurda de elementos em sua constituição. Isto apenas fomenta a incompreensão e o caos urbano na medida em que resulta em edifícios exagerados que se tornam totalmente alienados ao meio próximo.
O arquiteto deve entender que o objetivo de sua obra não deve ser o impacto ou espanto, pois estas sensações não são capazes de assegurar a qualidade de determinada arquitetura. Ao invés disto, o bom profissional deveria realizar um esforço mental no sentido de resolver cada detalhe construtivo com precisão e coerência, para que o produto do seu trabalho se destaque pela simplicidade e não pelo excesso.
Dizem que para a boa arquitetura não existe escala, ou seja, não importa o tamanho. Pequeno ou grande, o bom projeto se destaca pela correta relação entre suas partes, independentemente das suas dimensões. Prova disto é a Slice House, eleita para representar o Brasil na IV Bienal de Arquitetura Latino-americana no Peru, em 2004.
Projetado pelo escritório inglês Procter & Rihl, esta residência faz referência direta à arquitetura moderna sem deixar de apresentar um caráter contemporâneo extremamente marcante. A modernidade surge através da utilização de materiais como o concreto armado, que adquirem uma característica contemporânea através de uma complexa geometria prismática.
O maior desafio para a construção deste edifício eram as reduzidas dimensões encontradas no terreno, pois este era parte de um resíduo urbano, uma característica extremamente desagradável nos contextos urbanos atuais. Com 3,7m x 38,5m de dimensão, os arquitetos decidiram pela única saída: construir uma volumetria linear ao longo de todo o lote.
Assim, foi adotada uma espacialidade que se desenvolve dentro de uma forma prismática de modo a estabelecer uma série de distorções espaciais que acabam criando a ilusão de um espaço maior neste estreito terreno.
Ao invés de neutralizar a linearidade do solar, o projeto toma partido desta característica. Como a largura do terreno passa de 3,7m para 4,8m, foram dispostos uma série de planos inclinados de modo a neutralizar as perspectivas lineares, fazendo com que o usuário compreenda o espaço pouco a pouco.
Estruturada através das paredes laterais, a casa desenvolve-se ao redor de um pátio interno, estabelecendo assim diferentes percepções dos diversos espaços da residência.
A Casa Fatia, como é conhecida no Brasil, prova que os maiores desafios estão nas menores e mais simples soluções.
Ah, antes de terminar, vale a informação: esta casa fica em Porto Alegre.
Sempre afirmo que a arquitetura deveria ser uma resposta lógica a um problema específico de determinado local. Isto significa que a forma de uma edificação deixa de ser um simples componente do projeto para adquirir um caráter mais profundo, sintetizando no seu desenho o programa, a técnica e o lugar.
Assim, na medida em que cada projeto passa a ser uma reação determinada por regras distintas, pois distintos são os lugares, técnicas construtivas e programas, o resultado sempre será único, mesmo que apresente características similares a outros edifícios.
Para ilustrar meu raciocínio dou como exemplos o edifício da Loja Forma em São Paulo, projeto do arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha e o Museu Guggenheim de Bilbao, projetado pelo arquiteto canadense naturalizado americano Frank Gehry.
Construída em 1987, a Loja Forma apresenta uma geometria extremamente elementar, onde sua intensidade formal consegue atrair a atenção daquele que por ali passa sem ter que recorrer a formalismos inconseqüentes. Elevada do solo de modo a permitir que se estacione sob ele, o corpo do edifício apresenta um número reduzido de elementos na medida em que está localizado em uma avenida repleta de edificações de todas as formas e cores possíveis, que apenas materializam o caos existente do lugar. Junto à fachada frontal, surge uma única vitrine que, elevada e ocupando toda a largura do edifício, facilita sua visualização pelos que passam de carro em alta velocidade. Ao optar pela simplicidade construtiva/formal, considero o edifício de Paulo Mendes da Rocha um dos projetos mais importantes dos últimos 20 anos no Brasil.
Aberto em 1997, o Museu Guggenheim foi fruto de um concurso instituído com o intuito de revitalizar não somente a área adjacente ao edifício, mas toda a cidade de Bilbao, que passava por uma grande crise econômica. Neste sentido, a construção do museu deveria ter a capacidade de estabelecer uma ponte entre o turista e a cidade, de forma a aquecer sua economia. Vencido pelo arquiteto Frank Gehry, o edifício apresenta formas extremamente curiosas que criam um grande contraste com o entorno próximo. Sem nos determos aos pormenores da obra, podemos verificar uma certa validade no projeto de Gehry, pois mesmo dotada de uma geometria complicada acabou configurando um objeto pertinente em relação ao problema imposto pelo lugar, manipulando a forma de modo a relacioná-la com as condições que lhe deram origem.
Sem buscar algum tipo de comparação entre as obras, pois particularmente acho o projeto da Loja Forma de uma qualidade e um refinamento incomparável, podemos afirmar que ambos edifícios são estruturados a partir da busca por uma forte intensidade formal que os destaquem em relação ao lugar onde estão inseridos. Enquanto um opta pela simplicidade formal de modo a ter uma maior legibilidade em um meio urbano dotado de um excesso de formas e estímulos visuais, o outro busca exatamente o contrário, adotando uma forma insólita onde a lógica visual seja estabelecer um contraste com o território existente.
Autor: Rafael Spindler
O Arquiteto Rafael Spindler também é responsável pelo projeto racional, que incorpora alta tecnologia visando a sustentabilidade, o Residencial Piazza San Marco que estabelece um novo conceito de morar, onde, entre tantas outras coisas, a integração entre o passado e o presente determinam um ambiente inspirador.